Sobre a discussão da participação de empresas na vacinação
Por Pedro Tavares Fernandes
No dia 7 de janeiro, em uma de suas transmissões nas redes sociais, Bolsonaro anunciou que o Governo não se oporia à vacinação realizada por empresas. Segundo o Presidente, “a gente não vai criar problema no tocante a isso aí. Quem quiser importar e tiver recursos, pode comprar.”
Apesar da oposição de alguns políticos, essa declaração foi — ou pelo menos deveria ser — um alento até mesmo para aqueles que não recorressem à vacinação privada, e há bons motivos para isso. Em primeiro lugar, é importante destacar que essa possibilidade desafogaria as filas de vacinação do sistema público na exata proporção da capacidade de vacinação do setor privado. Isso também garantiria que o sistema público pudesse direcionar sua atenção e recursos para aqueles que não estão cobertos pela saúde privada.
Ainda, a vacinação privada é desejável porque a efetividade dos planos de imunização está diretamente relacionada à quantidade de pessoas vacinadas. Quanto mais pessoas vacinadas, não só é menor a chance de receber o vírus, mas também de transmiti-lo. Ou seja, mesmo quem não foi vacinado tem chances menores de contrair a doença, porque o potencial de transmissão também foi reduzido. Dessa forma, aumentar a disponibilidade das vacinas, oferecendo-as também no sistema privado de saúde, incentivaria a vacinação, aumentando a efetividade da imunização.
Além disso, como ficou evidente que a retomada saudável da atividade econômica depende da vacinação, há muitas companhias interessadas em planos empresariais de imunização para seus colaboradores. Financiamento não faltaria, afinal, assim como para muitas pessoas, a vacina pode ser a diferença entre a vida e a morte para muitos negócios. Não só isso, uma vez que práticas de trabalho remoto são mais difundidas entre profissionais de maior produtividade (escolaridade e, portanto, renda), não surpreenderia que esses planos empresariais buscassem imunizar preferencialmente os trabalhadores de menor produtividade.
Portanto, seja por razões de eficiência sanitária e econômica, seja por razões de ética e inclusão social, a participação ativa das empresas no processo de vacinação é altamente desejável.
No entanto, cumpriu-se o ditado e aquilo que é bom durou pouco — ou pelo menos apenas a expectativa de algo bom durou pouco. Em reunião com lideranças empresariais no dia 13 de janeiro, o Governo afirmou que será proibida a compra de vacinas por companhias para imunizar funcionários. Manteve-se consistente a única política de Governo durante a pandemia: divulgar informações desencontradas, deixando gestores (públicos e privados) sem clareza do horizonte que lhes aguarda.
As publicações a respeito da reunião não detalham os termos da conversa para além da lista de presentes, dificultando qualquer inferência a respeito do seu conteúdo. De toda forma, uma das possíveis hipóteses para essa proibição já é ventilada no debate público há algumas semanas, de que negociações paralelas com as fabricantes de vacinas podem trazer riscos aos termos de negociação do Governo — afinal, maior demanda pode levar a uma redução no estoque e aumento no preço.
Contudo, essa hipótese não parece ser adequada. Por exemplo, em 4 de janeiro a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVac) anunciou que estava negociando a compra de 5 milhões de doses da vacina Covaxin, fabricada pela indiana Bharat Biothec. Com a proibição, a compra não poderia ser realizada — mesmo que o Governo e a Bharat Biotech não tenham avançado em negociações.
A situação fica ainda mais assustadora ao lembrar da recente nota da Pfizer. Em 8 de janeiro, a empresa americana afirmou que apresentou ao Governo sua primeira proposta para aquisição de 70 milhões de doses da vacina desenvolvida em parceria com a BioNTech ainda em agosto, o que permitiria a entrega das primeiras doses ainda em dezembro, mas que a negociação não avançou em função das exigências do Governo para as cláusulas de responsabilização da empresa sobre os efeitos colaterais, assim como para o material que dilui o imunizante.
A título de comparação, o governo de Israel foi um dos quais fechou o contrato com a Pfizer. Sua campanha de vacinação iniciou cedo, em 19 de dezembro, e mais de cinco milhões e quatrocentas mil doses já foram administradas – duas milhões de doses a mais do que o Brasil, que iniciou em 17 de janeiro.
De toda forma, na hipótese de o Governo não seguir as tratativas com a Pfizer, o setor privado também ficaria proibido de adquirir essa vacina, que é uma das mais eficazes? Não parece uma alternativa razoável.
Um diálogo próximo entre os agentes públicos e privados do setor da saúde pode ser a grande virada de chave para o combate ao vírus. Nos Estados Unidos, a Operação Warp Speed – que reuniu o Departamento de Defesa, as forças armadas, as agências reguladoras, os laboratórios, as farmácias e os hospitais – garantiu um milagre logístico que garantiu a aplicação de 38 milhões de doses nos últimos 50 dias.
Sendo assim, se buscamos, enquanto brasileiros, um plano responsável de imunização, que seja inclusivo e eficiente, não há motivos para excluir as empresas do processo — ou seja, o Governo precisa rever sua posição neste assunto.