A demora na agenda de reformas está cobrando um preço alto
Por Pedro Tavares Fernandes
“Os tempos exigem coragem. Os tempos exigem trabalho duro. Mas as demandas são grandes porque os riscos são ainda maiores.”
– Henry Hazlitt
A decisão do Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central (BC) de aumentar a taxa básica de juros na semana passada acendeu um alerta nos radares de acompanhamento econômico Brasil afora. A verdade é que, independentemente do percentual de variação, o aumento já era esperado e computado em centenas de milhares de planilhas de empresas e instituições financeiras – como aponta o Relatório Focus da semana anterior à reunião do COPOM, as instituições projetavam uma taxa básica de 3,00% para maio de 2021.
No entanto, a preocupação está em outro aspecto do contexto que deu ignição ao novo ciclo de altas dos juros. O afrouxamento monetário que observamos nos últimos 12 meses buscou estimular a atividade econômica – e obteve algum sucesso nesse sentido –; mas o avanço galopante da inflação, que ultrapassou os limites de tolerância estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, deixa claro que esse estímulo se esgotou. Com o agravamento nas taxas de contágio e morte por COVID-19, somados ao recrudescimento das restrições de convívio, um dos principais instrumentos para manter os níveis de atividade econômica parece ser a manutenção dessa indução monetária; mas a moeda brasileira já apresenta uma fadiga terrível diante desse instrumento.
Ou seja, para além de estarmos vivendo a maior tragédia de nossa história, chegamos à deprimente conclusão de que o País somente será economicamente viável se praticar taxas de juros negativas – e não temos a menor condição de sustentar um afrouxamento prolongado.
De maneira deletéria e a duras penas o Brasil vai aprendendo, apesar do negacionismo de muitos líderes públicos de todos polos do espectro político, as lições que sustentarão a reconstrução do País sobre a atual terra arrasada:
- A prioridade do momento é salvar vidas, e hoje pagamos o preço pelo adiamento dessa definição;
- Havendo compreensão de que a primeira etapa é imprescindível, a única forma de induzir sustentavelmente a atividade econômica – viabilizando a reconstrução do País – é levando adiante uma agenda reformista robusta.
Em Vencendo a montanha, vencendo a pandemia as alternativas realistas de conter o avanço do vírus e, portanto, salvar vidas já foram extensamente discutidas. Em resumo, é necessário vacinar o maior número de pessoas e, até lá, precisamos mitigar o contágio e tratar prontamente os doentes. Esse ponto não é controvertido.
Entretanto, ainda que o segundo ponto possa evoluir paralelamente ao primeiro, percebemos que as reformas também receberam um tratamento letárgico do executivo e do legislativo. A calamidade financeira que a pandemia impôs ao Brasil ainda não recebeu uma resposta satisfatória. A título de comparação, o resultado primário do governo central em 2020 foi de déficit de R$ 743 bilhões; a previsão de economia gerada pela reforma da previdência é de R$ 855 bilhões no acumulado de dez anos. Mesmo assim, 12 meses após o reconhecimento da transmissão comunitária do vírus no Brasil, ainda não temos um plano de resposta ao problema fiscal.
É o agravamento do quadro fiscal uma das principais premissas pelas quais o COPOM fundamentou a elevação na taxa de juros, como pode se verificar na ata da reunião: “Por outro lado, […] frustrações em relação à continuidade das reformas […] podem elevar os prêmios de risco. O risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.” Não há segredo ou fórmula mágica: se desejamos preservar pequenas taxas de juros de forma sustentável, precisamos retomar a agenda reformista.
Nesse contexto, cabe destacar um dos poucos avanços que tivemos: a aprovação da PEC Emergencial pelo Congresso Nacional no mês de março. Em suma, a emenda regula hipóteses de contenção nas despesas obrigatórias da União para aliviar a pressão sobre o teto de gastos. Mesmo assim não podemos ser ingênuos quanto a eficácia desse instrumento para controlar as contas do governo, e a própria Instituição Fiscal Independente do Senado Federal reconhece no Relatório de Acompanhamento Fiscal deste mês que ainda há um grande risco de descumprimento do teto de gastos.
Dessa forma, fica claro que não podemos adiar mais os grandes ajustes que o País precisa. É necessário avançar com a Reforma Administrativa que contemple os três poderes e inclua os atuais servidores a fim de drenar as despesas respeitando a urgência do momento. É também necessário avançar com a Reforma Tributária que modifique os tributos sobre o consumo e sobre a renda (que estão preteridos da discussão atual) para favorecer o aumento da produtividade brasileira, estagnada há mais de 40 anos. Também não se pode esquecer da agenda de privatizações, que reduza o compromisso orçamentário com estatais ineficientes e permita gerar estoque de caixa para a União.
Por fim, não podemos esquecer que 2022 é ano eleitoral, o que significa que a janela de oportunidades para executar a pauta acima é muito estreita, mas não é impossível. É necessário compreender que as demandas são grandes porque os riscos são ainda maiores. O setor privado entendeu a dimensão dessa mensagem ainda em março de 2020. Agora são os agentes públicos que precisam fazer a sua parte.