Diferente de Sísifo, nossos esforços não serão em vão
Por Pedro Tavares Fernandes
Em razão da sua carga simbólica, a mitologia grega é muito útil para explicar os fenômenos atuais. Da mesma forma que o mito de Procusto nos ajudou a compreender as limitações do transporte público em Florianópolis em De Carona com Procusto, o mito de Sísifo nos é útil para discutir o enfrentamento à pandemia na cidade.
Sísifo teria sido um audacioso rei da Tessália, território situado na região centro-norte da Grécia continental. Certa vez, o monarca traiu Zeus, que por sua vez ordenou a Hades, o deus dos mortos, que aprisionasse Sísifo no Tártaro. Astuto, Sísifo trapaceia e mantém Hades amarrado por três dias, período no qual ficou impossibilitado de executar a morte das pessoas.
Essa situação enfureceu Ares, o deus da guerra, pois até mesmo os degolados permaneceram vivos enquanto Hades esteve preso, subvertendo o propósito das guerras. Diante da situação, o próprio Ares se encarregou de executar a ordem de Zeus e aprisionar Sísifo; mesmo assim, já no Tártaro, o monarca tentou trapacear o deus da guerra.
O desaforo causou uma revolta generalizada entre os deuses do Olímpio, que condenaram Sísifo a uma pena exemplar: o tessálico seria obrigado a empurrar uma grande pedra até o topo de uma montanha; mas, toda vez que se aproximasse do topo da montanha, o peso da carga faria seus braços ceder, a rocha rolaria montanha abaixo, e Sísifo seria obrigado a reiniciar a missão.
Mesmo milhares de anos após a queda da Grécia clássica, o mito de Sísifo continua ensejando grandes discussões. A ideia de ser condenado a fardos absurdos, guerras perdidas, missões inócuas e afins gera um legítimo sentimento de revolta; mas será que é assim que Sísifo deveria se sentir?
Cinquenta e uma semanas após o primeiro decreto para o enfrentamento à pandemia em Santa Catarina, ordenando severas restrições ao convívio, os diários oficiais voltam a registrar o mesmo prognóstico no combate à propagação do vírus: mais restrições ao convívio. A principal diferença entre março de 2020 para 2021 é a deterioração aguda no quadro do País.
Desde então, mais de 260 mil vidas foram perdidas para a doença. Esse número cresce em um ritmo avassalador: na última semana, foram quase 50 mortes por hora. Na história do Brasil não há nenhuma tragédia que se equipare à covid-19 em número de mortes.
Essa calamidade está refletida em todos os demais indicadores. O índice de desenvolvimento humano (IDH) caiu em decorrência da redução na expectativa de vida, na permanência escolar e no PIB per capita. O desemprego subiu, o endividamento público explodiu, assim como o endividamento privado.
O cenário é dramático, e sabemos que ainda vai piorar antes de começar a melhorar. Mesmo assim, cinquenta e uma semanas depois, repetimos os mesmos remédios. Observamos a pedra rolar montanha abaixo e nos indagamos se deveríamos nos importar de repetir os passos de 2020. Sobretudo, compreendemos a legitimidade da revolta de Sísifo.
No entanto, o filósofo franco-argelino Albert Camus nos indica a olharmos a outra face desse mito. Para Sísifo, a revolta não é a alternativa racional.
Para nós, empreendedores de Florianópolis, a revolta também não é a alternativa racional, mas por razões diferentes daquela que Camus discute sobre Sísifo. Enquanto o rei tessálico está condenado a uma eternidade de esforços inócuos; nós podemos vislumbrar uma luz no fim do túnel apesar do quadro dramático atual. Há uma saída concreta e presente para a crise mais severa que acometeu o Brasil: a vacinação.
Dessa forma, se desejamos vencer as moléstias decorrentes da infecção do coronavírus, precisamos obter, distribuir e administrar a maior quantidade de doses possível com urgência. Isso significa, em grande parte, dar maior autonomia aos entes federados e ao setor privado para operar a imunização, como argumentado no artigo Quanto mais, melhor, publicado no mês passado.
Nesse sentido, foi aprovado nas duas casas do Congresso Nacional e aguarda sanção presidencial o projeto de lei nº 534 de 2021. Ainda que o projeto imponha obrigações estritas de conformidade ao Plano Nacional de Imunização (cujo mérito não é objeto de discussão deste texto), também confere maior autonomia aos entes federados no processo da aquisição à aplicação da vacina, permitindo a participação privada no processo – uma conquista importantíssima no combate ao covid-19.
Portanto, para nós, empreendedores de Florianópolis, a alternativa racional não é a revolta. A alternativa racional é exigir a imediata sanção do projeto de lei nº 534 de 2021, exigir celeridade e eficiência do setor público na vacinação, exigir segurança jurídica sobre a atuação privada na vacinação e, por fim, participar desse processo na forma que nos couber, pois somente assim colocaremos a pedra sobre a montanha em definitivo.