“Da Escadaria do Rosário, admirando a igreja lá no alto, aquilatando o que ela representava, construída por negros escravos, desceu para o mercado, ficou outra vez zanzando, a verdade é que a cidade o fascinava, depois foi até o Miramar, meninos continuavam se jogando na água na incansável faina em busca de moedas, espadanavam dando demorados mergulhos, voltavam orgulhosos com a moeda entre os dentes, pediam, me dá um bolinho, me dá uma gasosa, os mais taludos arriscavam pedir uma cerveja, dali foi até a Praça XV, sentou-se em um dos bancos sob a enorme figueira, nostálgico relembrou os tempos que passara em Florianópolis….”. O trecho acima, do mestre Salim Miguel, é parte de um dos textos da obra Reinvenção da Infância.
Hoje Florianópolis não tem mais a ingenuidade da época dos primeiros anos do escritor, que na história relembrada perde a hora do ônibus de retorno a Biguaçu inebriado que está pelo movimento da capital. Mas antigos prédios e lugares, como a Praça XV, o Mercado Público, a Ponte Hercílio Luz, o Palácio Cruz e Sousa e a Escadaria do Rosário, preservam muito da memória da cidade. Memória que está impregnada também no povo de Florianópolis. Por isso recuperar e devolver a seus legítimos donos – os orgulhos manezinhos de nascimento ou “adoção” – antigas áreas da cidade é tão importante.
Há por certo, o componente econômico. Como se vê na Rua Vidal Ramos, o reflexo positivo da recuperação de áreas abandonadas e próximas à degradação urbana é visto rapidamente. Em questão de semanas após a “entrega” da via, a movimentação no comércio local aumentou. Mas, ao mesmo tempo, há um aspecto cultural nesse movimento. Também logo após o fim das obras, os moradores de Florianópolis voltaram rapidamente a ocupar o espaço do qual vinham sendo afastados. Todos ganharam.
Daí a importância de outras ruas tentarem algo semelhante. Justamente o que vem sendo feito pela Câmara de Lojistas das Ruas Conselheiro Mafra e Francisco Tolentino, que se reúnem nessa quinta, dia 30, com representantes do Poder Público para discutir o futuro da via. Mais uma vez com apoio da Associação Comercial e Industrial de Florianópolis (Acif) e em parceria com entidades representativas, esses empresários iniciam um esforço para recuperar um pedaço da cidade que guarda anos e anos de história. São vias pelas quais passou muito do desenvolvimento da cidade e que, ao ganharem “nova vida” vão contribuir para termos uma cidade mais bela e agradável, que encantem seus moradores e quem sabe um dia surjam com o lirismo visto na obra de Salim Miguel nas reminiscências das futuras gerações.
*Por Doreni Caramori Jr – Empresário e Presidente da Acif