A progressão geométrica de casos confirmados de COVID-19 inspira o justo sentimento de necessidade de se fazer algo a respeito — seja para conter seu avanço, seja para remediar suas consequências. Não só isso, a rápida piora na situação e o conjunto de incertezas apontam para a urgência de agir. Estamos, sobretudo, numa corrida contra o relógio.
No entanto, a falta de tempo para maturar soluções consistentes se torna a grande oportunidade de florescimento de ervas daninhas no imaginário de cidadãos e autoridades absortas pela urgência. Esse contexto esmaece até mesmo as memórias importantes de uma nação, trazendo novas cores inclusive a ideias que já se provaram erradas.
Nesse sentido, uma das ideias que ganha espaço é o tradicional controle de preços, familiar a qualquer cidadão latino-americano. Além de os PROCONs pelo Brasil inteiro estarem se mobilizando na cruzada contra os preços abusivo; ontem, foi protocolado um projeto de lei para congelar o preço de todos produtos e serviços no estado do Rio de Janeiro.
O Brasil tem uma vasta experiência nessa prática, cujo auge foi no Plano Cruzado há 34 anos. Sob o governo Sarney, houve “congelamento total de preços, tarifas e serviços”, que contou com o recrutamento voluntário e informal de fiscais — os fiscais do Sarney. Os estabelecimentos que descumprissem o decreto seriam fechados; os sócios, presos.
Uma das consequências dessa política foi a falta de produtos nas prateleiras. Isso acontece porque os preços são apenas indicadores das circunstâncias daquele bem ou serviço: traduzem não somente demanda e oferta, mas também tributação, logística, eficiência do fornecedor, entre vários outros fatores. Ou seja, preços são sintomas de momentos econômicos. Assim como proibir termômetros de indicarem temperaturas acima de 36°C não vai curar o mundo das doenças que causam febre, congelar os preços não vai mudar as circunstâncias de fornecimento. Se a circunstância pressionar o preço para um maior do que aquele decretado, você não pode obrigar um fornecedor a ter prejuízo, então esse produto vai começar a faltar.
Há quase 30 anos, o ex-Ministro Mário Henrique Simonsen afirmou que “A ciência moderna desenvolveu-se com base no princípio da indução formulado por Francis Bacon: se uma experiência leva aos mesmos resultados num grande número de repetições, é altamente provável que ela continue dando o meso resultado na próxima repetição… Nossos economistas heterodoxos […] parecem ter inventado o princípio da contraindução: uma experiência que dá errado várias vezes deve ser repetida até que dê certo.” Por força do princípio da contraindução, fomos condenados a combater novamente essa política. Para tanto, vou usar o exemplo do álcool em gel.
Nos últimos dias, aumentou a demanda por álcool em gel. Não só isso, com o fechamento de fronteiras e limitações de circulação de bens, os custos de logística também aumentaram. Ainda, no Brasil, há tributos que são cobrados em regime de competência — simplificando, o imposto pode acabar tendo que ser pago antes mesmo de chegar nos depósitos da empresa que vai revendê-lo. Ou seja, os custos estão pressionando o preço para cima.
Para piorar, se somarmos esses fatores à baixa disponibilidade de dinheiro — afinal, todo mundo está se protegendo desta crise —, fica ainda mais difícil encomendar mais estoque para suprir a demanda, já que é preciso pagar transporte e impostos sobre o produto antes mesmo de ele chegar às prateleiras.
Assim, a única forma de garantir um estoque futuro e evitar a falta de produtos nas prateleiras é fazer com que o estoque presente renda mais — ou seja, subindo seu preço.
Aqui, não falo de nenhuma exploração sobre a fragilidade do consumidor, que está preocupado com a sua saúde e zelando pela dos próximos de si. Atitudes como essa não são adequadas em qualquer momento, principalmente em crises como a que vivemos, na qual emergências são ainda mais severas.
Por outro lado, é preciso se entender que, se reconhecemos que o álcool em gel é importante, precisamos assumir um compromisso com sua disponibilidade. Portanto, é necessário que cidadãos e autoridades compreendam a pior decisão que podemos tomar neste momento é congelar seu preço — e a lição se aplica aos demais bens e serviços, sobretudo àqueles essenciais à saúde.
Pedro Tavares Fernandes
Associado e Voluntário ACIF na área de Conteúdo e Opinião