Por Harvey Cosenza (*)
Muito se tem escrito sobre a escassez de engenheiros no país. “O mercado ficou estagnado por muitos anos”, alegam alguns. “O mercado financeiro absorveu os profissionais da área”, alegam outros. O fato é que todos têm razão, mas vamos acrescentar mais alguns fatos que levaram o país a essa situação. A instabilidade financeira, principalmente nos anos 80 e 90, fez com que os poucos cursos de Engenharia (em grande parte de instituições públicas) formassem excelentes profissionais mas sem perspectivas de emprego. Estaleiros foram fechados e indústrias, em plena abertura de mercado, se modernizaram e automatizaram seus processos. A indústria automotiva foi a que mais sofreu transformações, sendo seguida pela têxtil, a química etc).
Com a retomada econômica, diversos setores se viram diante de um grande desafio: onde encontrar profissionais competentes para uma demanda cada vez maior, em um mercado aquecido e que dá mostras de que assim vai se manter por muitos anos?
Estatisticamente, o nº de egressos dos cursos de Engenharia mantém-se há mais de 20 anos. O que mudou foram os números de instituições de ensino superior, principalmente particulares. Hoje, assim como há 20 anos, se ingressam nos cursos de engenharia 60 ou 70 estudantes (muitos deles motivados pelo aquecimento do mercado, mas sem nenhuma base matemática para chegar ao fim do curso), ao final 15 a 20 alunos terão se formado. Esses números preocupantes são os mesmos de 20 anos atrás. Por quais motivos isto acontece?
Primeiro (e o principal deles) porque os currículos se mantiveram praticamente inalterados ao longo destes 20 anos. Não estão atualizados com a demanda de mercado, no qual conceitos como alta tecnologia e performance viraram palavras de ordem; tampouco estão adequados às gerações cognitivas da atualidade (os “y” e “z” estão aí mais conectados em perspectivas da rede do que em qualquer época). E ainda: os cursos não se dispõem a cobrir minimamente as deficiências do Ensino Médio que os alunos trazem e que vão se manifestar nos cálculos diferenciais que se seguirão.
O segundo motivo é o fato de as empresas não valorizarem os profissionais como deveriam. Conversei com dois gestores de empresas diferentes. Um me disse que não pagava o mesmo salário de um administrador a um engenheiro pois o administrador cuidava do dinheiro da empresa, enquanto o engenheiro cuidava da fábrica – ele não conseguia enxergar a importância do engenheiro como inovador e responsável pelo produto final da empresa). Já o outro disse que não podia contratar um técnico com um salário médio. Por isso, era obrigado a contratar engenheiros para trabalharem como técnicoa. Resultado: o turn over (rotatividade) alto e constante.
Em terceiro lugar, o setor de engenharia não tem como competir com o mercado financeiro. Se para iniciantes nos dois setores, o salário é equiparável, a perspectiva de ganhos a curto prazo é muito maior no mercado financeiro, afastando, cada vez mais, o engenheiro de seu campo de atuação original.
Mas é de fato a atualização dos currículos, a meu ver, a causa-raiz desta escassez. Os cursos de engenharia têm que passar por uma revisão curricular. A evasão no terceiro e quarto períodos é enorme. E por qual razão? Participei de um recente fórum no CNE (Conselho Nacional de Educação), onde um palestrante declarou que trocou o curso de Engenharia pelo de Administração pois ficou frustrado com o que viu e ouviu no início do curso. Ele percebeu que, em vez de discutir assuntos ligados à engenharia, era obrigado a resolver métodos matemáticos sem nenhuma lógica com o curso.
Portanto, as quatro instâncias que decidem sobre os rumos do curso de Engenharia no país – Conselhos Federal e Regionais, o mercado, as IEs e o MEC) – devem discutir em conjunto sobre a melhor maneira de preparar nossos futuros engenheiros. Só assim haverá luz no fim deste túnel.
(*) Harvey Cosenza é diretor do Centro de Conhecimento em Tecnologia do Grupo Estácio.